Nova taxação de IR vai acabar com os fundos imobiliários?
Negócios - 14/10/2021
Reportagem do portal 6Minutos avalia o mercado de fundos imobiliários diante dos avanços da reforma tributária. Leia a seguir.
Resumo da matéria
- Pela proposta do ministro Paulo Guedes, os dividendos pagos por FIIs para pessoas físicas passam a ter tributação de IR de 15%. Hoje, os proventos são isentos e a pessoa física só paga IR quando vende as cotas com ganho de capital
- A novidade deixa o FII menos interessante. Isso porque ele passará a ter a mesma tributação que a renda fixa (que também passará a ter alíquota de 15%), sendo que é um investimento muito mais volátil
- Para continuarem atrativos, os FIIs precisarão aumentar o spread [margem de ganho] para patamares bastante superiores à taxa Selic. O que não será fácil: a Selic deve terminar 2021 em 6,5% ao ano, enquanto o dividend yield dos FIIs hoje fica entre 6% e 7%
A segunda fase da reforma tributária caiu como uma bomba para o mercado de fundos imobiliários (FIIs). O projeto de lei entregue pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso prevê o fim da isenção fiscal sobre os dividendos distribuídos para o investidor pessoa física.
Nos termos propostos, os proventos passam a ser tributados na alíquota fixa de 15%, que incide na distribuição de rendimentos, amortização e alienação das cotas dos FIIs negociados em Bolsa a partir de 2022.
A reação do mercado foi imediata: o IFIX, principal índice dos FIIs, despencou 2,09% na própria sexta-feira. Na segunda-feira (28), chegou a cair mais 3%, mas corrigiu parte do recuo e fechou em baixa de apenas 0,7%. Na terça (29), fechou em alta de 1,49%, gerando perda acumulada de 1,26% desde que os detalhes da reforma tributária foram divulgados.
Mas será que é hora de sair dos FIIs? As fontes consultadas pelo 6 Minutos dizem que não. “Apesar do impacto negativo dessa medida, a indústria de FIIs não precisa desse incentivo [fiscal] para sobreviver”, acredita Fábio Idoeta, CFO e diretor de RI da Sequóia Properties. “O investimento por meio de FIIs tem muitos outros benefícios em relação ao imóvel físico além da isenção fiscal.”
Além disso, o PL precisa passar pelos ritos de aprovação nas duas Casas legislativas federais (Câmara dos Deputados e Senado), onde os parlamentares podem propor várias alterações ao texto original. Cumprida essa etapa, será sancionado pelo Presidente da República. Por isso, muitas águas ainda vão rolar nessa discussão. Veja quais são os aspectos mais relevantes que estão em jogo.
Como é a tributação dos FIIs hoje e quais são as mudanças propostas?
No desenho atual, são isentos de Imposto de Renda (IR) os rendimentos distribuídos pelos FIIs sob forma de dividendos para o investidor pessoa física. Esse investidor não pode deter mais de 10% de cotas do FII em questão e o fundo precisa ser listado na B3. Já os rendimentos recebidos por pessoa jurídica têm alíquota de 20%.
Por outro lado, incide IR sobre o ganho de capital obtido com a venda das cotas do FII, quando o valor de venda for superior ao valor de compra. A alíquota é de 20% sobre o lucro da operação, tanto para o investidor pessoa física como para pessoa jurídica.
O que a reforma propõe é uma alíquota única de 15% para dividendos recebidos por pessoa física e pessoa jurídica e também para o ganho de capital. Para o investidor pessoa física, portanto, de um lado acaba a isenção fiscal sobre os dividendos, e de outro a mordida em caso de ganho de capital fica mais suave (cai de 20% para 15%).
Se os dividendos são a “menina dos olhos” do FII, a tributação em 15% não tira uma parte da atratividade do produto? Sim, tira. Pelos termos propostos, os FIIs passarão a ter a mesma tributação que a renda fixa – já que a reforma tributária pretende criar uma alíquota única de IR de 15% para todos os investimentos, em substituição à atual tabela regressiva, que começa em 22,5% para depósitos de até seis meses e só estabiliza em 15% após 720 dias.
O problema é que, se a mordida do Leão passa a ser a mesma, a volatilidade dos FIIs é muito maior que a da renda fixa. “Para continuarem atrativos, os FIIs precisarão aumentar o spread [margem de ganho] para patamares bastante superiores à taxa Selic, já que a renda fixa é um investimento bem mais seguro”, salienta o advogado tributarista Rafael Bragança.
E essa não será uma missão tão simples. A taxa básica de juros está em ciclo de alta e, de acordo com o último Boletim Focus, a previsão é de que termine 2021 em 6,5% ao ano. Enquanto isso, os FIIs mais conservadores entregam ao cotista retornos entre 0,5% e 0,6% ao mês, o que dá um dividend yield de 6% a 7,2% ao ano.
Isso significa o fim da linha para os FIIs, caso a taxação dos proventos seja aprovada? As fontes consultadas pelo 6 Minutos dizem que não. “Apesar do impacto negativo dessa medida, a indústria de FIIs não precisa desse incentivo [fiscal] para sobreviver”, acredita Idoeta. “O investimento por meio de FIIs tem muitos outros benefícios em relação ao imóvel físico além da isenção fiscal.”
O diretor da Sequóia destaca que, com um tíquete inicial bem baixo, os FIIs permitem a pulverização do investimento em um grande número de ativos, com a comodidade da gestão profissional. Tudo isso com custos bem menores (no imóvel físico, tributos e comissões chegam a 10% do valor da propriedade) e liquidez imediata, já que é possível se desfazer das cotas a qualquer tempo. “Nada disso mudará com a reforma”, frisa.
Vitor Bidetti, CEO da Integral Brei, acrescenta que a rentabilidade dos FII não se limita aos proventos, já que também é possível ganhar dinheiro com a valorização das cotas. “A beleza do FII é essa, a combinação de dividendos e ganho de capital. O dividend yield é apenas um dos componentes: é preciso olhar também a estratégia, a gestão ativa”, pondera.
Ele vê espaço para bons ganhos no horizonte, já que os preços de mercado dos FIIs ainda carregam grandes descontos trazidos pela pandemia, o que dá margem à valorização futura. “Quando você olha os fundamentos e o preço por metro quadrado, as distorções são absurdas. Esse ganho de capital potencial ainda é um belo upside”, argumenta.
Caio Braz, sócio da Urca Capital Partners, afirma que, mesmo com IR, os bons FIIs se manterão como opções de diversificação. “São investimentos que sempre terão prêmios relevantes sobre a renda fixa livre de risco, além de proteger contra a inflação”, diz.
Por que o IFIX sofreu um impacto tão rápido e tão intenso? “Cerca de 70% dos cotistas dos FIIs são pessoas físicas, e para elas os dividendos são um componente muito importante do investimento, elas contam com isso”, explica Bidetti. “O IFIX é muito sensível e um volume às vezes pequeno de vendas já faz diferença. Às vezes, alguns investidores isolados vendem grandes posições com preços descontados e isso já gera o impacto.”
Idoeta explica que a oscilação do índice nos últimos dias reflete um fluxo de venda muito superior ao de compra, baseado em um “racional” de que a taxação dos proventos deixaria os FIIs menos vantajosos. “Os investidores podem ter ido para a renda fixa ou outros produtos, ou apenas deixado o dinheiro no caixa, esperando para ver se a proposta vai ou não passar. É cedo para dizer se esse movimento será permanente ou não.”
No pior cenário possível, quais serão os efeitos sobre os FIIs? Supondo que o PL resista a todas as votações e seja aprovado nos termos propostos, o primeiro efeito esperado é a redução do valor de mercado das cotas, justamente porque a tributação tende a reduzir o interesse do investidor pessoa física pelo produto. “Esse fenômeno já está ocorrendo com a mera divulgação e tramitação do projeto”, diz Bragança.
O advogado explica que o desenvolvimento imobiliário brasileiro, sobretudo no âmbito do setor de logística, loteamentos e multipropriedades, é em grande parte financiado pela emissão de CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários), que são comprados principalmente pelos chamados “FIIs de papel”. “Por isso, a redução da procura da pessoa física por FIIs vai aumentar os custos do setor e desacelerar seu desenvolvimento”, completa.
Além disso, a perda de valor de mercado é um desestímulo para esses fundos continuarem emitindo cotas e captando recursos para novas operações. “Nenhum FII vai fazer novas emissões, sabendo que as cotas estão caindo. Com isso, entra menos dinheiro no mercado para adquirir prédios, galpões e projetos de desenvolvimento”, ele afirma.
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